Estresse pode virar trauma quando emoção e reação instintiva são bloqueadas
Em situações extremas, o estresse pode atingir um nível maior do que o corpo é capaz de suportar e a ansiedade virar um trauma. Acidentes, assaltos, bullying, abuso sexual e até mesmo pressão por tempo prolongado no trabalho ou no ano pré-vestibular podem desencadear sintomas de trauma.
Os sintomas vão da hipervigilância –tipo de ansiedade–, flash-backs de imagens ou pensamentos no meio do dia, mudanças abruptas de humor e vergonha de si mesmo, entre outros. E o quadro pode continuar por meses ou anos, com ataques de pânico, “brancos” de memória, dificuldade para se comprometer, fadiga crônica, depressão, problemas digestivos, dores crônicas, entre muitos outros.
Uma das linhas de tratamento de trauma responsabiliza a falta de reação corporal à criação de traumas, é a Somatic Experiencing (SE), criada pelo médico Peter Levine há cerca de 45 anos.
Levine descobriu que o sistema nervoso autônomo dos animais, diante de uma ameaça, vai disparar respostas de luta ou fuga ou congelamento, aquela que for colocar o animal em segurança o mais rápido possível. “Assim como os animais, nosso corpo reage da mesma forma instintiva, mas ficamos traumatizados quando não deixamos essas respostas se completarem”, diz Angela Mestriner, terapeuta especializada em SE.
De acordo com essa abordagem, se durante um assalto ficamos congelados, e quando o perigo for embora nós não deixarmos nosso corpo fazer a necessária descarga (por exemplo tremer, chorar, sentir as emoções que surgirem), essas reações vão ficar presas no nosso sistema nervoso e é quando o trauma se instala.
E por que não extravasamos?
Para Angela, muitas vezes não deixamos essas reações instintivas do corpo acontecerem por acharmos que tem algo de errado com a gente ou ainda por vergonha. “Acabamos por questionar essas reações ao invés de senti-las e permiti-las”.
Tudo depende de como meu corpo reagiu ou entendeu aquele evento. Quanto menos consigo reagir, mais traumatizado eu fico, entro no lugar de impotência e incapacidade.”
Angela Mestriner, especialista em SE
Ela cita uma pesquisa feita em um acidente de ônibus nos EUA. “As crianças que conseguiram ajudar as outras não ficaram traumatizadas e as que ficaram paralisadas sem conseguir reagir ficaram”.
Permissão para deixar que o corpo expresse aquilo que precisa após o evento traumático, portanto, é uma das coisas necessárias para que não adquirir Transtorno de Estresse Pós Traumático (TEPT), de acordo com a SE.
Além disso, o corpo precisa se sentir seguro de que a ameaça terminou para poder se acalmar. Por exemplo, ter certeza de que o ladrão não está mais perto. É importante também ter consciência de que apesar de o tempo de ativar o corpo para a resposta ao perigo é rápido, acalmar leva mais tempo.
Álvaro Genro, psicólogo da Associação Brasileira do Trauma, explica que a SE trabalha com o sistema nervoso autônomo, onde ficam registradas as emoções e as reações instintivas, inclusive o trauma. Os registros traumáticos podem ser acessados pelas sensações corporais. “Há pessoas que estão distanciadas dessa autopercepção, mas não é impossível pouco a pouco ir trabalhando para que se possa resgatar isso”, ressalta.
“O mais importante é a pessoa perceber que ela tem respostas corporais e que elas podem conduzir a uma reciclagem da energia de um sofrimento num momento que ficou congelada”, diz. Segundo Genro, essa reciclagem traz energia de vida, na capacidade de gostar, estar de bem com a vida, de estar num estado de bem-estar mesmo numa dificuldade maior.
Movimento dos olhos
Outras correntes da psicologia também focam no tratamento acessando o cérebro reptiliano, como o caso da Terapia EMDR, da sigla em inglês relativa a Eye Movement Desensitization and Reprocessing (Dessensibilização e Reprocessamento por meio dos Movimentos Oculares). Nessa abordagem, criada pela psicóloga americana Francine Shapiro em 1987, os movimentos oculares são usados para processar as lembranças traumáticas.
“Quando ocorre o trauma, o sistema límbico fica hiperativado porque a amígdala fica hiperativada”, explica Roseane Ferreira, terapeuta de EMDR e gerente da TraumaClinic do Brasil. “O cérebro não consegue processar de forma adaptativa o evento traumático, deixando a perturbação como se estivesse congelada, empobrecendo a qualidade de vida do indivíduo”.
Para a EMDR, o registro do trauma fica armazenado nas redes de memórias em forma de pensamentos, imagens, registros auditivos e sensações corporais. A terapia simula o movimento que ocorre durante o sono REM, que tem a função de processar experiências ocorridas ao longo do dia através da rápida movimentação bilateral dos olhos. “O cérebro vai dessensibilizando os canais neurológicos de forma cada vez mais adaptativa, dissolvendo a carga negativa ligada ao trauma”, diz a psicóloga.
Movimentos do corpo também são trabalhados pelo Brainspotting, método que identifica fontes de dor e trauma através dos pontos em que os olhos congelam e tremem, e a EFT (Emotional Freedom Technique), cujo objetivo é desbloquear a energia estagnada seguindo os meridianos da Medicina Tradicional Chinesa.