“Não se faz mais psicoterapia como antigamente!”
Tâmara levantou da mesa, respirou fundo e subiu a escada rolante pela primeira vez em 58 anos de vida. Maria Helena chegou no consultório e contou que conseguiu entrar no aparelho de ressonância magnética com tranquilidade. Rodrigo voltou a dirigir o seu carro pela primeira vez depois do acidente em que morreram seus amigos. Patrícia fez os exames de sangue depois de ter perdido o medo das agulhas. João Pedro comentou do assalto armado à sua casa que durou 5 horas: “Ah, aquilo agora virou história para contar em happy hour”.
O que essas pessoas têm em comum é que se submeteram a uma psicoterapia revolucionária chamada EMDR – Eye Movement Dessensitization and Reprocessing (Dessensibilização e Reprocessamento pelos Movimentos Oculares) descoberto por Dra. Francine Shapiro em 1987 nos Estados Unidos. De lá para cá, mais de cem mil terapeutas foram capacitadas mundialmente na abordagem que hoje representa uma mudança de paradigma na psicoterapia.
Entendendo que traumas e lembranças dolorosas são armazenadas de forma maladaptiva no cérebro o EMDR é capaz de reprocessar os medos, fobias, terror, e ansiedades vinculadas às lembranças difíceis que mantem suas vítimas presas aos fantasmas do passado através da integração da informação que se encontra separada nos dois hemisférios cerebrais. De forma acelerada e adaptativa, o EMDR “imita” de certa maneira o que acontece com as pessoas durante a etapa do sono – movimento rápido ocular (sono REM – Rapid Eye Movement) quando o cérebro processa informação diária e deveria arquivá-la adaptativamente ao passado. Por alguma razão ainda não completamente compreendida, em determinadas situações as pessoas não conseguem realizar este processamento de forma normal e saudável, da onde possivelmente advém os pesadelos, sobressaltos, pensamentos intrusivos e obsessivos, ataques de pânico e em casos mais graves o Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT) e suas consequências, e em casos mais excepcionais podem chegar aos Transtornos Dissociativos de Identidade quando possuem historias de traumas crônicas, repetitivos e constantes, especialmente na infância.
Para efetuar o EMDR, o psicoterapeuta deve capacitar-se junto a cursos credenciados onde será ensinado de forma teórica e prática como manejar o protocolo de oito fases que estrutura o tratamento. Começando com a primeira fase onde o paciente compartilha sua história clínica e o terapeuta identifica os traumas e lembranças dolorosas do paciente que serão os alvos de tratamento em futuras sessões. Na segunda fase, instala-se recursos positivos para ajudar o paciente a enfrentar momentos difíceis dentro e fora da sessão, e prova-se os diferentes movimentos bilaterais (visuais, auditivos e táteis) e instrui-se o paciente no processo do EMDR. Na terceira fase, “abre-se” o arquivo cerebral a ser trabalhado através dos resgate da imagem, crenças emoções e sensações vinculadas ao evento chave em questão.
Na quarta fase o terapeuta aplica os estímulos bilaterais que darão o “arranque” ao cérebro para que possa desenvolver o processamento que resultará na dessensibilização da lembrança dolorosa ou trauma. Na quinta fase é possível substituir as crenças negativas e falsas a respeito daquilo que foi vivido por crenças positivas que levarão o paciente a encontrar percepções adaptativas àquilo que havia sido arquivado de maneira maladaptativa e muitas vezes patológica. Na sexta fase averígua-se a existência (ou não) de perturbações corporais e a sessão termina na sétima fase com instruções especificas sobre o que esperar entre sessões. Na oitava fase o paciente volta, faz-se uma avaliação dos resultados e prossegue-se com a evolução do tratamento: um novo alvo de tratamento caso o anterior já tenha se resolvido de maneira satisfatória, ou a elaboração mais profunda e completa do alvo inicial.
O que faz o EMDR ser percebido como uma mudança de paradigma? Primeiro, não é preciso falar para sarar. Durante 120 anos fomos ensinados que o paciente deveria conversar e falar sobres suas dificuldades como uma forma de “desabafar” suas penas e que isso iria ajudá-lo a resolver suas dificuldades (o “talking cure” que descrevia Freud). Mas com o EMDR, a fala pode ser mínima durante o período de reprocessamento cerebral o que permite que o paciente possa trabalhar suas lembranças em privado. Levando em consideração que muitos traumas são de caráter sexual ou humilhantes, o fato de não ter que entrar em detalhes gráficos muitas vezes permite que o paciente enfrente a lembrança sem tanta vergonha.
Segundo, a resolução da dificuldade se dá pela a integração da informação neuronal inicialmente dissociada nos hemisférios cerebrais. É comum que a lembrança dolorosa esteja arquivada no hemisfério direito e que a fala (área de Broca) que permite a atribuição de sentido ao evento esteja no hemisfério esquerdo. A lembrança está desvinculada daquilo que poderia permitir ao paciente descrever em palavras o que lhe aconteceu (“não tenho palavras para lhe explicar o que me aconteceu” é um discurso comum entre pessoas traumatizadas porque literalmente não as têm). Ou a lembrança está desvinculada do sistema límbico e o paciente vive em um eterno estado de ansiedade e perigo sem saber porque e sem poder explicar para o seu cérebro que o perigo passou. (Isso se constata através de tomografias cerebrais sofisticadas tais como PET scans, SPECT scans ou ressonâncias magnéticas funcionais – fMRI). O EMDR integra essas informações e permite que se possa atribuir sentido ao ocorrido e acalma um sistema límbico atordoado.
A formação é aberta a psicólogos, psiquiatras, e médicos com formação em psicoterapia, e os três módulos que se exige no Brasil para o treinamento básico duram um total de 60 horas distribuídas em três finais de semana. É preciso aplicar o EMDR desde o primeiro módulo para ir adquirindo a destreza na aplicação do protocolo e seguir adiante com a formação já que se exige dez horas de supervisão no decorrer da capacitação.
A formação chegou ao Brasil em torno do ano 2000, mas tomou força com a chegada da Esly Regina de Carvalho, Ph.D. treinadora de treinadores autorizada pela Dra. Francine Shapiro a formar outros profissionais e treinadores no EMDR. A partir de 2007, quando se realiza o I Congresso Ibero-americano de EMDR em Brasília, com 185 participantes de 13 países, o movimento toma força no Brasil e resulta na formação de uma associação nacional de membros, a EMDR Brasil, que atualmente agrega seus membros, promove eventos, cursos avançados de capacitação, e congressos nacionais, incentiva a pesquisa e publicação de artigos sobre as aplicações de EMDR.
Apesar que o EMDR foi inicialmente desenvolvido para tratar traumas e os transtornos derivados, tais como abusos sexuais ou estupros, assaltos, ataques/cenas de violência, sequela de guerra e de desastres naturais, etc. atualmente se aplica também no manejo de dor crônica, já que sabemos que a dor física tem componentes emocionais – e traumáticos – que costumam responder bem ao EMDR; no luto e depressão, fobias e desordem de pânico, dependência química e adições. Ademais, tem se utilizado o EMDR para a instalação de recursos positivos fortalecendo aquelas pessoas que trazem consigo uma fragilidade inerente ou adquirida; e no aprimoramento do desempenho de profissionais, tais como atletas (nos EUA se aplica o EMDR a muitos atletas que concorrem as Olimpíadas para ajudá-los a superar medos e traumas resultante de ferimentos, assim como aprimorar seu desempenho futuro); também atores e atrizes têm se beneficiado no seu desempenho artístico com o uso do EMDR. Enfim, cada dia surgem novas aplicações cientificas para o EMDR.
As pessoas interessadas em se submeter ao tratamento (ou os profissionais desejosos de oferecer essa modalidade de psicoterapia aos seus pacientes) devem procurar os terapeutas devidamente capacitados e certificados por treinadores reconhecidos por:
• EMDR Treinamento e Consultoria/Grupo TraumaClinic
• EMDR Ibero-América (agora extinta), AIBAPT – Asociación Iberoamericana de PsicoTrauma,
• EMDR América Latina
• EMDR Global Network – EGNw
• ISETT – International Society of EMDR Therapy Trainers
• EMDR Institute dos Estados Unidos (psicólogos ou psiquiatras, ou médicos com longa especialização em psicoterapia)
Pelo risco de dissociação ou re-traumatização do cliente quando o caso é mal manejado, é importante ser tratado por pessoas especializadas. Certifique-se que o seu terapeuta tenha as devidas credenciais.
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